Pedimos à Naomi, a filha com autismo da blogger Miriam Gwynne, para tentar escrever algo que explicasse porque é que ela nem sempre gosta de comer e o que faz com que ela não aprecie certas comidas.
São estas as palavras dela:
“Às vezes, a melhor altura é a hora de ir dormir. É a única altura em que as pessoas me deixam em paz. Deixam de me perguntar coisas como “Tens fome, Naomi?”, “Queres beber alguma coisa, Naomi?”, “Tens a certeza que não queres comer algo?”
De qualquer das formas, porque é que as pessoas comem e bebem tanto? Há coisas que prefiro fazer, como ver YouTube e fazer os meus próprios jogos com os meus brinquedos. Como é suposto comer ou beber quando estou a fazer outras coisas?
Às vezes até querem que vá para outra divisão para comer. Na escola fazem isso. Porquê? Estou confortável e feliz e depois fazem-me mudar de sítio e o meu cérebro começa a pensar no local para onde estou a ir, se me esqueci de algo de que possa precisar, no que acontece se as coisas tiverem mudado quando voltar. E se alguém mexer nalguma coisa?
Essas coisas assustam-me.
Querem que mude de sítio, que me sente e que coma o que prepararam. Mas não pedi nada. Não sabia o que estava a acontecer. Ninguém me disse que ia sentir o aroma de coisas diferentes, ouvir vozes diferentes e tocar em coisas diferentes, e agora querem que prove coisas?
É demasiado, por isso fico só paralisada.
Consigo ouvir-vos, mas tudo está confuso.
Tenho tanto medo. Que estejam a olhar para mim. Que toda a gente vá falar comigo. Sinto-me enjoada.
Porque é que as pessoas comem coisas estranhas? Comem coisas com cores vivas e não consigo compreender isso. O meu corpo é de um bege rosado. É uma cor segura, como um castanho claro. Se a minha pele está bem, então as coisas que são dessa cor também.
Mas querem saber porque é que, mesmo assim, não como coisas que têm a mesma cor que a minha pele? Bem, simplesmente é errado. E o meu cérebro fica incomodado com a comida. Quando jogo com os meus brinquedos, eles têm sempre o mesmo aspeto, mantêm a aparência e comportam-se da mesma forma. Às vezes como alguma coisa e sabe bem, tem a cor certa e dá-me uma sensação agradável e suave na boca.
Mas depois há dias em que como o que me dizem ser o mesmo e acaba por não ser o mesmo. Não tem o mesmo aspeto de quando gostei. Não é tão mole e fico chateada. Estragaram tudo.
Porque é que fazem isso?
Organizo os meus brinquedos em filas para que estejam sempre iguais quando olho para eles. Assim sinto-me segura. Mas não me deixam fazer isso com a comida. Se a ponho numa ordem, faz sentido. Quero saber que está “certo” e preciso de verificar. E se estiver errado e for para dentro de mim? Isso iria magoar-me.
É por isso que tenho de comer uma coisa, e depois outra. O meu cérebro diz-me “isto é a pele dos nuggets” e lembro-me do sabor. Estragam tudo se tiverem molho ou batatas. Depois deixa de ser a pele dos nuggets para passar a ser algo estranho que o meu cérebro não conhece. Por isso, todos os nuggets são perigosos. E fico com medo outra vez.
Gosto de comida mole. Às vezes, quando mastigo, engulo um pedaço pequenino, e às vezes um maior. Isso quer dizer que tem um sabor diferente e que não faz sentido. Mordiscar é mais seguro. Os meus dentes não querem tocar em nada porque depois sabe a dentes em vez de saber ao que devia. Dentes não têm um sabor muito agradável. Sabe-se isso porque ninguém faz nada com sabor a dentes, pois não?
Às vezes sinto-me enjoada.
A minha mãe diz que é fome, mas não percebo. A minha barriga faz-me sentir enjoada e dizem-me que precisa de comida. Mas se já se está a tentar livrar do que lá está, para quê acrescentar mais? Para mim isso não faz sentido.
Às vezes acho que as pessoas não gostam de mim. Gritam comigo e continuam a obrigar-me a comer. Fico triste e com medo: por favor, deixem-me em paz. Prefiro quando a minha mãe põe coisas que gosto ao pé de mim quando estou a brincar, para que os meus brinquedos possam ver e dizer-me que não há problema. Assim sei que o meu mundo está bem.
As pessoas comem, comem, comem o dia todo. E fico cada vez com mais medo. Como ao pequeno-almoço e depois querem que coma outra vez ao almoço ou ao lanche, na escola, depois ao jantar, depois à ceia.
Há dias em que só quero que acabe. É por isso que a hora de ir dormir é a melhor para mim.
A minha mãe perguntou-me se sonho com comida quando estou a dormir. Nem pensar! Sonho com comboios. Thomas, a locomotiva, é fantástico. Ele nunca come, e eu gosto disso.”
Artigo original aqui.