“Porque é que estás a perder a cabeça?”
“Acalma-te.”
“Aquela criança que está a fazer birra apenas precisa de um pouco de disciplina.”
“Que pirralho!”
“Que pessoa estranha!”
As pessoas no espetro de autismo e os seus familiares, infelizmente ouvem frases como estas todos os dias. Porquê?
Porque muitas vezes experimentam uma sobrecarga sensorial quando muitos estímulos sensoriais estão a ocorrer ao mesmo tempo. Esta pode ser desencadeada por uma sala cheia de gente, uma televisão que ficou muito alta, aromas mais fortes, iluminação fluorescente – ou uma centena de outras coisas. Está também associada a diagnósticos como transtorno de processamento sensorial (SPD), síndrome da fadiga crónica, fibromialgia, transtorno de stress pós-traumático e mais, embora qualquer um possa experimentar.
Muitas vezes, uma crise é a única maneira de aliviar a tensão construída através da sobrecarga sensorial. O estranho que é que isto se pode parecer com uma birra. Vamos deixar algumas coisas claras: uma crise não é o mesmo que um ataque de raiva e as pessoas que sofrem de crises não escolhem fraquejar. Cada pessoa tem diferentes técnicas para prevenir ou ultrapassar as suas crises. Diferentes mecanismos de estratégia resultam para pessoas diferentes.
O que é que universalmente não funciona?
Olhares de julgamento, opiniões e especialmente comentários. Mas não estamos a tentar alertá-lo se nunca confundiu uma crise com uma birra – estamos aqui apenas para ajudar a perceberem a diferença.
Pedimos a pessoas com autismo da nossa comunidade para nos descrever qual a sensação ao ter uma crise.
Esperemos que a sua visão ajude a espalhar um pouco de compreensão e empatia.
“Literalmente sinto a minha cabeça a implodir. Acumula-se até que fica esmagadora, mas uma crise real é como… Como se o teu cérebro estivesse a deixar de existir. Claro, isso realmente não acontece, mas perco o controlo dos meus músculos e a minha capacidade de falar, não consigo modular a minha voz ou realmente enviar quaisquer sinais do meu cérebro para o meu corpo para que o meu corpo se acalme. É como se o meu cérebro… Como uma coisa de última hora, envia um monte de energia para o resto do meu corpo, mas não envia as instruções de como a energia deve ser utilizada, então simplesmente vai e fica fora do meu controlo.”
Shayna G.
“É como um vulcão. Constrói e constrói, e constrói-se tão rápido que rapidamente se torna numa enorme explosão e é fogo que destrói até que tudo acabe.”
Devra R.
“Sinto-me preso. Tenho uma estranha tensão na minha cabeça ou nos meus braços e quero sair. De repente, tudo à minha volta parece extremamente real como se eu tivesse acabado de sair da água, sinto todos os tipos de emoções de uma só vez e quero fugir de todos eles. Eu perco de vista o que é apropriado socialmente e começo a dizer ou o que não quero ou coisas que no fundo já quis dizer.
Sempre que isso acontece eu acabo por magoar alguém ou a confundir todos. As pessoas pensam que por eu ‘apenas’ ter Asperger não deveria ser capaz de ter crises, mas sou. Eu sei que não são tão ‘destrutivas’ ou ‘óbvias’ em comparação com as que o meu irmão teria, mas ainda sou capaz de ter. As pessoas dizem para me ‘acalmar’, o que me faz sentir ainda mais frustrado porque eu já sei disso. Uma vez que a crise ‘acaba’, eu não consigo explicar às pessoas porque é que aconteceu porque não é mais tarde à noite (ou mais tarde do que isso) quando me apercebo de que foi uma crise. Com o passar do tempo, chego à conclusão que é tarde demais. Os outros já se devem ter esquecido do que que passou ou não quererão saber. De qualquer maneira, acabo por parecer como um ‘candidato à atenção’.”
Chi C.
“É como se eu estivesse a girar fora do controlo – sem chão, sem ar, sem céu, apenas eu e o meu medo, raiva e desespero. Os meus ossos vibram, ralam e lascam. O meu peito está ligado a um vácuo puxado através do meu peito. Acordo com contusões, cortes e arranhões de me agarrar a qualquer coisa, tudo o que me possa puxar de volta à terra. As minhas memórias das crises são geralmente apagadas pela manhã e apenas me consigo lembrar vagamente do que senti. Se me debruçar sobre os demais, tornam-se muito intensos e eu tenho outra crise. Não tenho vergonha de ser autista. Recuso-me a ser.
Só porque acaba por moldar quem eu sou e não significa que eu tenha de deixar que as outras pessoas decidam como será. Mas Deus, as crises são indescritíveis. Grandes demais para o meu pequeno corpo. Grandes demais para este pequeno planeta. Dolorosas como lâminas de barbear, não sobre a tua pele, mas sim sobre a tua alma. Todo o teu ser é torcido por uma força exterior e quando as pessoas dizem ‘é apenas um ruído’ ou ‘apenas um argumento’, demonstram que realmente não entendem. E, frequentemente, a resposta é simples. Muitas vezes, estou a gritar por ela. Fazer parar o zumbido.”
Holly H.
“Incontrolável, quase como Jeckyll e Hyde. Faz-me sentir como se alguém ou alguma coisa virassem um interruptor no meu cérebro e tomassem conta do meu corpo, abolindo qualquer pensamento, reação ou comunicação racional. O sangue dispara na minha cabeça e, tudo nele, é amplificado mais do que possa armazenar ou manipular. Há uma pequena parte de mim na parte de trás que reconhece o que está a acontecer e deseja pará-lo, mas não consegue substituir o sistema. A minha base primordial e fuga ou luta é em alta velocidade, assim acabo por me instintivamente me isolar para conseguir de qualquer maneira outra forma de energia viva. Só então é que consigo ter espaço para respirar e, eventualmente, começar a acalmar-me.”
Laura S.
“Parece que toda a pressão se acumulou em mim (como uma bebida efervescente) explode, e não podes parar, perdes o controlo até que toda a pressão esteja fora e depois dormes para recuperar a força.”
Lauren H.
“Perco o controlo total da minha capacidade de regular as minhas emoções – o ‘filtro’ foi-se e eu perco a capacidade de controlar a obsessão sobre tudo o que me está a perturbar. Às vezes, tenho uma vontade incontrolável de atirar coisas e fazer uma expressão psíquica, mas isto diminui a minha capacidade de articular o problema. Um ciclo vicioso. Se estiver com medo ao invés de raiva, vou perder a capacidade de falar e interagir com o mundo e irei sentir a necessidade de me esconder num lugar por horas. Sempre, a exaustão continua.”
Kym F.
“Assustador, como um episódio fora do corpo. Perco a minha capacidade de pensar ou processar e só consigo sentir. E eu sinto tudo. Cada barulho, cada intenção. Quero gritar e, às vezes, faço-o, apenas um grito mudo. E enquanto isso, sinto como se me estivesse a ver numa terceira pessoa, e essa pequena parte do meu cérebro que ainda é capaz de pensar racionalmente, continua a pensar ‘Porque é que estou a fazer isto? Acalma-te, controla-o! Mas eu não posso controlar isto!’.”
Tiffany D.
“Pessoalmente, para mim é como uma onda enorme, uma maré esmagadora de emoção e perceção sensorial, aumentando antes de cair horrivelmente. Muitas vezes ao quebrar choro ou fico com raiva ou com os dois – deixando as pessoas à minha volta ofendidas e/ou confusas. Deixa-me completamente lavada/fundida da cabeça aos pés, por dentro e por fora, incapaz de falar ou até mesmo mover. Pode ser um total desligar quando eu não consigo falar para verbalizar o que estou a pensar, o que pode ser várias coisas ao mesmo tempo. Preciso de tempo e de um espaço tranquilo ao redor, longe das pessoas, onde me posso envolver numa atividade repetitiva favorita, como trabalhos de arte ou trabalhos de fibra que eu acho muito tranquilizante e que me ajuda a passar do que estou a pensar para pensar claramente e funcionar normalmente outra vez.”
Kath S.
“Sinto que apenas quero estar sozinho e, normalmente, é isso que faço! Ou isolo-me no quarto ou vou para a floresta apenas para caminhar. Quando eu conto aos meus amigos, eles pensam que eu sou estranham porque eu só não quero estar com ninguém.”
Kasper M.
“É muito intenso e é uma acumulação de emoções extremas que saem de uma só vez. Às vezes, a única maneira que sentes ser possível para te acalmares e para que não dure horas, é te magoares porque a dor sente-se como uma libertação dessas emoções extremas.”
Kathryn B.
“Na minha cabeça soa como uma centena de vozes a tomar conta de mim de uma vez e a querer gritar.”
Richard T.
“Parece que não consigo mais aguentar com as coisas e não posso parar a minha reação a isto tudo. Como se eu não fosse mais o controlo de mim mesmo. Assim, acabo a chorar ou a hiperventilar ou os dois. Penso em cada problema que tenho, tento encontrar uma solução para isso, não consigo e deito para fora as minhas emoções. Eu repito o processo até que as emoções sejam libertadas. Às vezes preciso de algo para ajudar a parar o processo ou apenas continuará a crescer. Não tem piada e eu não gosto quando isso afeta as pessoas que estão à minha volta, mas às vezes também é necessário para fazer ‘reset’ ao meu sistema.”
Erin C.
“Horrível apenas. Como ninguém entende, estão todos a rir ou a olhar para ti e apenas ‘arranjas desculpas’ ou ‘inventas’. O que é que poderia acontecer a seguir? Sou preso, magoo-me ou magoo alguém? Infelizmente sim e tem acontecido.”
Shaun U.
“É como um comboio que não vai parar!… Depois de acabar, sinto-me emocionalmente dormente. Depois de uma boa noite de sono estou pronto para conquistar o mundo.”
Jordan S.
The Mighty