A resposta desta semana do ‘‘Food for Thought’’ vem do terapeuta ocupacional Moira Pena, do hospital de reabilitação de crianças do Toronto Holland Bloorview.
Eu ouvi dizer que as crianças com autismo vão eventualmente comer se estiverem com fome. Estou a considerar retirar todos os doces duros, batatas fritas e bolachas que a minha filha come todos os dias para vermos se ela irá aprender a comer comida saudável. Já tentei dar-lhe comidas nutritivas, mas nada funcionou. Continuo preocupada. Se eu lhe retirar toda a comida fast food, ela ficará sem comer? Deveria ser mais rígida e ir avante com isto?
Obrigada pela sua questão. Primeiramente, deixe-me assegurar-lhe que muitos pais de crianças com autismo vão identificar-se com a sua situação. De facto, uma recente revisão da investigação deste assunto confirmou que as crianças com autismo são cinco vezes mais propensas a lutarem com problemas associados à comida comparativamente aos seus pares que estão num crescimento normal.
O primeiro passo relativamente a estes desafios é reconhecer que acumular os desafios e comportamentos alimentares não usuais são sintomas comuns de autismo
Tente não se sentir culpada pelos padrões alimentares da sua filha. A culpa não é sua de que ela não tenha hábitos alimentares saudáveis. O seu papel como mãe é de oferecer opções nutritivas cabendo á sua filha comê-las.
Em segundo lugar, é importante ir ao médico dela e/ou registá-la no nutricionista a fim de assegurar que tirar as batatas fritas e bolachas é uma medida médica possível
Deverá ter em conta que não quer que a criança fique abaixo do peso ou subnutrida antes de lhas retirar. O médico ou nutricionista deverá recomendar um suplemento nutricional se algumas preocupações surgirem com estas medidas. Pretenderá também que o médico ou nutricionista continue a monitorizar a saúde da sua filha enquanto você introduz uma dieta mais nutritiva.
Se possível, aconselho vivamente que coopere com a ajuda de um terapeuta alimentar familiar com experiência em problemas relacionados ao autismo
Ele ou ela poderão identificar o que leva a que a sua filha recuse outro tipo de comidas. Isto poderá incluir condições médicas como dor abdominal crónica, doença de refluxo gastro-esofágico (GERD), prisão de ventre ou intolerâncias alimentares.
Muitas crianças com autismo também têm problemas de postura que interferem com a comida. A baixa tonificação de músculo, por exemplo, pode dificultar a manutenção de uma posição vertical quando esteja sentada. Aversões sensoriais relacionadas com o autismo são outra razão comum para que haja problemas com a ingestão.
Tal como também deve saber, outro sintoma comum do autismo é a rotina. Isto poderá causar uma extrema ansiedade quando o indivíduo esteja perante novas comidas. Um terapeuta comportamental com experiência na área do autismo poderá ajudar a lidar com estes problemas.
Por fim, alguns indivíduos com autismo necessitam de ajuda a desenvolverem a sua mastigação. No entanto, o facto da sua filha comer doces duros indica que dificuldades ao nível da mastigação não serão um problema.
Dez estratégias para tentar em casa
Como estratégias para tentar em casa, tenho dez para partilhar. Mas primeiramente, respire fundo e relembre que a mudança terá lugar em pequenos passos. Quero dar-lhe pelo menos um mês para tentar consistentemente as seguintes estratégias de modo a que possa ajudar a sua filha a sentir-se mais confortável à volta de uma ampla variedade de comida saudável:
Em todas as refeições e lanches, oferecer proteína, vegetais ou fruta com uma pequena porção das batatas fritas preferidas dela
Isto pode parecer demasiado, mas quando uma criança luta com problemas alimentares, nós queremos usar todas as oportunidades para fornecer-lhe uma variedade de opções nutritivas.
Faça com que a comida seja divertida!
Olhe para a comida a partir da perspetiva da sua filha: a comida tornou-se algo que causa atrito em casa. Tente pensar em maneiras de fazer com que a comida seja agradável de novo. Não tenho a certeza da idade da sua filha. Se a idade é apropriada, considere jogarem juntas o ‘‘mercearia’’ com comidas de plástico. Falem do cheiro, cor e tato dos alimentos. Façam músicas sobre comidas e sim, faça com que ela brinque com comida. Se ela não gostar de tocar os alimentos com as mãos, mostre-lhe como usar uma colher ou uma faca, que não esteja afiada, para que ela possa moldar a comida em formas interessantes. Envolva-a na preparação dos lanches e refeições tanto quanto possível. A ideia é que ela comece a encarar a comida de forma positiva. Qual é a melhor maneira de fazê-la perceber isso se não com jogos
Reveja os seus horários de refeições
Muitas famílias lidam com vidas muito ocupadas. Isto faz com que muito facilmente os jantares em família sejam cancelados. No entanto, o jantar em família pode incluir apenas duas pessoas. A ideia é sentarem-se à mesa juntas pelo menos 15 minutos. A sua filha pode não começar a comer inicialmente. Não faz mal. Assim que ela observe os outros a comerem, ela estará exposta ao cheiro, à visão e sons da comida a ser mastigada. Estes são passos positivos em direção a que ela comece a saborear e a comer refeições.
Não espere por pontadas de fome
Muitos pais de crianças com autismo contaram-me que os seus filhos não sentem pontadas de fome ou desejos como as outras crianças. Esta observação merece uma investigação acompanhada. Enquanto isso, eu recomendo que não espere que a fome ataque nem que lhe pergunte se ela está com fome antes de lhe oferecer comida. A resposta será provavelmente um ‘‘não’’, simplesmente ofereça-lhe comidas que estão planeadas.
Ofereça comida ou lanches de 2,5 em 2,5 horas
De modo a evitar a tentação de lanchar continuamente, tente oferecer-lhe uma refeição ou lanche de 2,5 em 2,5 horas durante o dia. Mantenha as horas o mais consistentes possível. É importante que a sua filha tenha uma rotina na qual coma a horas precisas.
Introduza-lhe uma rotina visual
Relembre-se que crianças com autismo tendem a dar-se melhor com rotinas claras. Use uma lista escrita e/ou fotos para indicar as refeições do dia e os lanches. Coloque isto no quarto dela, na cozinha e em outros sítios em que ela passe o tempo. Pode usar um cronómetro para que ela entenda que a hora da refeição se aproxima. A ideia é que a sua filha se atempadamente antes das refeições. Isto tem a vantagem acrescida de ajudá-la a gerir a ansiedade relacionada com a comida.
Tente alguns exercícios antes das refeições
Na terapia ocupacional, frequentemente utilizamos exercícios para ‘‘acordar’’ o corpo de uma criança assim como os seus sentidos, como por exemplo, fazer exercício físico – se for apenas marchar à volta da mesa ao som de música – antes de sentar-se para comer. Relembre-se de fazer com que esta atividade seja divertida.
Tire o mau humor da comida
Eu penso que seja um mantra útil para os pais. Ao fazê-lo, eu quero dizer que é importante monitorizar as suas próprias ansiedades em relação à alimentação da sua filha. Eu entendo que o facto da sua filha ter uma alimentação pobre seja uma causa constante de preocupação. Tente reduzir conscientemente a sua ansiedade ou outras emoções negativas. Tente manter um ambiente positivo durante as refeições. Acredite que a sua filha comerá e celebre todos os sucessos!
Tente servir comida ao estilo familiar
Ponha a comida em pratos e deixe que a sua filha se sirva. Se a sua filha for capaz, peça que ela passe o prato ao próximo membro da família. Simultaneamente, estará a expô-la aos aspetos sensoriais da comida todas as vezes que ela passa o prato.
Ofereça à sua filha a mesma comida que o resto da família está a comer, mesmo que pense que ela vai rejeitá-la
Permita que ela possa sentar-se à mesa enquanto que o resto da família come. Tal como mencionei anteriormente, o olhar, o cheiro e a proximidade da comida poderão ajudá-la a progredir em relação a comer mais refeições no futuro.
Artigo original aqui
Traduzido por: Adriana Oliveira