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Como trabalhar o tempo de atenção conjunta?

25 de Julho de 2019 – vencerautismo

Sabemos que as pessoas com autismo conseguem ter um tempo de atenção espetacular, podendo ficar horas e horas focadas na mesma coisa. Como por exemplo, num girar de um objeto, numa bola a saltar, ou a ver a máquina de lavar a girar durante mais de uma hora. O tempo de atenção acaba por não ser o desafio pois afinal podem passar horas e horas seguidas em comportamento repetitivo e estereotipado. O grande desafio deles é o Tempo de Atenção Conjunta.

E afinal o que é isto do Tempo de Atenção Conjunta?

Em termos simples, refere-se à capacidade das pessoas estarem envolvidos num atividade em interação com outra pessoa durante um certo período de tempo, sem interrupções (antes de “desligarem” e voltarem para a sua esteriotipia). E este tempo de atenção conjunta pode variar de segundos a minutos, ou até mesmo horas, dependendo do grau de envolvimento e motivação que a pessoa tiver pelo o que lhe está a ser oferecido.

Vejam este exemplo: sou uma pessoa que pode passar horas e horas seguidas a ver séries, sem desligar do que está a acontecer e com a minha atenção e foco ao máximo na atividade em si. Mas se me começam a falar sobre termos financeiros ou matemáticos, desligo no primeiro minuto pois é um assunto que apesar de ser importante não me motiva minimamente. É como as pessoas “neurotípicas”, que podem passar horas focados ao telemóvel – nem sabemos como conseguem ter um tempo de atenção tão bom – mas no que toca às aulas de português ou de matemática de 45 minutos, não conseguem manter atenção seguida durante esse período.

No caso das pessoas no espetro do autismo passa-se o mesmo. O tempo de atenção conjunta é uma competência que se pode trabalhar e aumentar de forma muito considerável.

Então qual é o primeiro passo?

Começa por saber exatamente qual é o tempo médio de atenção conjunta da pessoa com autismo. É importante ter a consciência que se a pessoa está em comportamento repetitvo e não está responsiva, não está em tempo de atenção conjunta. O tempo de atenção conjunta é somente o tempo em que a pessoa está envolvida contigo em qualquer tipo de interação.

Imagina agora o seguinte exemplo: a pessoa com autismo está em esteriotipia e para para interagir contigo, ficando em interação por um período de aproximadamente 1 minuto. Desliga da interação e volta para a esteriotipia e passado outro minuto torna a interagir contigo por mais 1 minuto. Neste caso o tempo de atenção conjunta é somente de 1 minuto e não 2, pois a pessoa desligou a meio para depois poder voltar à interação.

Caso o tempo de atenção conjunta da pessoa seja neste momento baixa, não desamines. Até acaba por ser um bom sinal! Quer dizer que neste momento os desafios que tem e a dificuldade em fazer certas coisas pode estar relacionada com este baixo tempo de atenção conjunta.  Se o tempo atual dela é de 30 segundos a 1 minuto será muito difícil conseguir com que a pessoa se envolva num jogo, ou até mesmo iniciares uma conversa com ela. Mas se começares a trabalhar o tempo de atenção conjunta e este aumentar, imagina as competências que ela irá adquirir!

Pronto/a para o segundo passo?

Tem atenção ao ambiente quando estás a trabalhar o tempo de atenção conjunta com a pessoa com autismo. Tenta minimizar a exposição aos estímulos (exemplo: remover apoios visuais que não são necessários à atividade ou brincadeira, desligar a televisão, arrumar os brinquedos do chão e colocá-los numa prateleira, etc).

Terceiro e último passo!

Depois de calculares e saberes qual a média do tempo de interação da pessoa é então hora de meteres mãos à obra e focares em esticar a atenção conjunta. Para isso ser possível são precisas duas estratégias chave: o respeitar a esteriotipia e juntar-se à mesma quando está a acontecer como forma de mostrar à pessoa que estamos ali para ela e respeitamos o seu tempo, e recorrer ao uso das suas motivações. Tem então em consideração os seguintes pontos:

1. Faz uma lista de interesses da pessoa e inclui muito disso no momento da interação

Sê um verdadeiro detetive! Observa a pessoa com autismo, o que ela gosta de fazer? O que lhe cativa a atenção? Algum brinquedo em especial, algum desenho animado em particular, algo que ela tenha ido buscar espontaneamente, algo que observes constantemente… Tenta entender o que cativa realmente o seu interesse. É o movimento? É a textura? Que sensações retira?

2. Faz uma lista de ações motivadoras e inclui igualmente muito disso no momento da interação

Ou seja, ação motivadora é toda a ação que ofereces à pessoa e que ela demonstra querer que se repita – por exemplo – fazer cócegas, balançá-la, apanhadas, ver-te cair de forma engraçada, etc.

3. Se a pessoa desligar da interação, volta a juntar-te ao seu comportamento repetitivo

A quantos de vocês já aconteceu estarem numa interação com a pessoa com autismo e ela desligar e iniciar um comportamento esteriotipado? Muitos, não é? Quando isso acontece, volta a juntar-te ao comportamento repetitivo da pessoa. Mostra que estás ali com ela, não para fazer o que tu queres e achas que é melhor, mas para passar um bom momento com ela. Mostra como a interação humana pode ser boa e divertida. Queremos porporcionar-lhe o máximo de bons momentos para que tenham cada vez mais interesse em nós e partilhar momentos de interação connosco.

O facto de ter voltado para o seu “mundo” não quer dizer que está tudo perdido, antes pelo contrário. A pessoa pode estar apenas a precisar de tempo para processar tudo o que está a acontecer para depois voltar a estar disponível. Procura ver isto como uma valsa a dois: deixa-te guiar pela pessoa, segue os seus passos, o seu tempo, o seu ritmo, deixa fluir e acontecer naturalmente. Não penses, sente o momento, confia na pessoa e deixa-te levar.

4. Convida a pessoa a voltar para a brincadeira ou atividade uma vez

Queremos ser persistentes, mostrar que acreditamos na pessoa com autismo, mas não queremos ser “chatos”. Não queremos pressionar demasiado a pessoa ao ponto que sinta que a interação social é demasiado para ela. A insistência diminui, na maioria das vezes, o interesse da pessoa em continuar a atividade. Tal como nós, no nosso dia-a-dia, a maior parte de nós tende a evitar pessoas aborrecidas e insistentes, como o vendedor de um serviço de telecomunicações, que nos tenta impingir um novo serviço ou mudança de tarifário ligando várias vezes ao dia. Quantos de vocês atende sempre o telemóvel? Muitas vezes, acabamos por não atender porque é um tipo de interação que, nem sempre, estamos disponíveis para ter.

No caso das pessoas com autismo é igual, queremos dar-lhes espaço e não queremos forçar a interação. Mas também não queremos desistir já, por isso vamos convidá-la uma vez para voltar à brincadeira ou atividade, procurando fazê-lo de uma forma fácil, divertida e com muito entusiasmo! Ao ver o nosso entusiasmo as probabilidade de a pessoa aceitar a nossa proposta aumenta consideravelmente! A nossa atitude é fundamental. E se a pessoa aceitar o nosso convite vamos celebrar esse facto e mostrar-lhe como estamos felizes dizendo por exemplo: “Que bom que voltaste para a nossa brincadeira! Estou tão animado por estares aqui comigo!”. Porém se a pessoa não for responsiva ao convite, vamos respeitar e voltar a juntar-nos à atividade que está a fazer. Mais oportunidades de interação virão! Lembrem-se: mílimetro a mílimetro…

Considerações finais…

As pessoas no espectro do autismo dão-nos sinais no dia-a-dia de que estão prontas para interagir connosco, às quais podemos chamar de “janelas de oportunidade”. Estes sinais podem ser: um contacto visual, a pessoa vir ter connosco, toca em nós (encosta-se no nosso ombro, vem para o nosso colo…) olhar para o que estamos a fazer, falar para nós… Este pequenos sinais, mostram-nos que a pessoa está disponível para a interação e são oportunidade que queremos sem dúvida agarrar. Podes fazer coisas muitos simples para agarrar a sua atenção, mesmo que não tenhas planeado esse momento.

Brinca com a tua criatividade, tem reações que sabes que irá cativar a sua atenção:

  1. Se a pessoa gosta de expressões faciais exageradas começa a falar com ela exagerando as tuas expressões de forma engraçada
  2. Se a pessoa gosta de um desenho animado em específico, com uma voz diferente, começa a falar com ele nesse tom (por exemplo: Mickey Mouse)
  3. Se a pessoa gosta de expressões corporais exageradas começa a usar o teu corpo para chamar a sua atenção: faz uma dança estranha, cai no chão, finge que escorregas e começa a exagerar nos teus movimentos
  4. Se a pessoa gosta de música começa a cantar para ela as suas canções favoritas
  5. Se gosta de supense, cria suspense: esconde-te atrás do sofá e esconde uma das tuas mãos atrás das costas, vai ter com ela passo a passo dizendo que tens algo escondido atrás das tuas costas e quando chegas ao pé dela enche-a de cócegas enquanto lhe dizes que és o monstro das cócegas!

As ideias que podes usar são infinitas! Puxa pela tua criatividade, observa as reações da pessoa para ver se gosta, não tenhas medo e arrisca! Todos aprendemos mais quando estamos motivados e interessados no que estamos a fazer. Todos nós estamos mais propensos a tentar um pouco mais se estivermos a desfrutar da nossa experiência (se estamos a fazer o que gostamos). Usar as motivações da pessoa com autismo nas atividades ajudá-la-á a crescer e a aprender mais. Utiliza cada momento que sintas que é uma oportunidade.

E acima de tudo… Diverte-te no processo. Se te divertires, maior serão as probabilidades da pessoa se divertir contigo. Sê um íman de interação! Força e boas brincadeiras! Partilhem connosco como correu!

Modelo Autism Rocks!, adaptado do livro “Vencer o Autismo” com o The Son-Rise Program de Raun Kaufman

Podes aprender mais sobre este tema através das nossas Masterclasses:

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