99% das vezes o autismo é visto como uma perturbação comportamental e é assim que ele abordado na maior parte das intervenções existentes para o autismo.
Muitas vezes, foco está em como eliminar certo ou determinado comportamento e em como desenvolver comportamentos socialmente “mais aceitáveis”? A maior parte das intervenções no autismo estão direcionadas para a mudança comportamental.
A questão é que o comportamento “estranho” ou não “tão socialmente” aceite é apenas um sintoma do autismo, não é a causa.
E o que acontece quando nos focamos em eliminar o sintoma e não procuramos a causa, é que o sintoma vai sempre continuar aparecer, pois não estamos a incidir na verdadeira causa do problema.
Então afinal o que é autismo?
Se não é uma perturbação comportamental, que tipo de perturbação é? O grande desafio das pessoas dentro do espetro do autismo é a interação social. Portanto o autismo é antes uma perturbação da interação e da comunicação. É uma perturbação sociorelacional.
Raun Kaufman, dá muitas vezes nas suas palestras um exemplo maravilhoso da consequência de na maior parte das vezes nos focarmos nos sintomas e não nas causas do problema:
“Se vir alguém a coçar o braço, então o seu objetivo é a eliminação desse comportamento (o coçar-se) porque não quer que a pessoa faça ferida ou se magoe. Pode tentar várias abordagens desde pedir à pessoa para parar de coçar, pode ameaçá-la com consequências desagradáveis caso continue com o comportamento, pode tentar distraí-la com algo que ela goste como colocar um gelado na mão na qual ela estava a usar para se coçar, pode até amarrar ou prender o seu braço para que ela pare de coçar… Ou… Pode tentar descobrir qual a razão pela qual ela se coça, descobrir a causa (como por exemplo uma picada de mosquito e colocar um creme para aliviar) e já está! A comichão terminou.”
Adoramos esta analogia porque faz todo o sentido! Exemplifica de forma tão clara a diferença entre tentar acabar com os sintomas da criança vs focar no principal desafio da pessoa com autismo.
Todo o comportamento é um sintoma
Tentar acabar ou aniquilar esse sintoma só irá dificultar uma possível construção de relação de confiança entre ti e a pessoa que acompanhas. Todo o comportamento tem uma razão, todo ele é uma forma de comunicação. E se o verdadeiro desafio do autismo é uma questão sociorelacional, em vez de nos focar em travar/parar a pessoa no seu comportamento – o que quebra toda e qualquer relação de confiança, pois nenhum de nós gosta de ser travado ou parado sem “razão aparente” – não faria mais sentido nos focarmos em criar uma relação de confiança primeiro para a ajudar a trabalhar os seus verdadeiros desafios?
Sabemos que o espetro do autismo é muito grande. Não iremos encontrar pessoas iguais. Existem vários graus, do alto funcionamento ao mais severo e apesar de não existirem pessoas iguais e todas terem comportamentos diferentes, independentemente do grau em que a pessoa se encontra, todos elas têm um desafio comum: o da interação humana – que se traduz por miúdos na dificuldade em manter contacto visual, dificuldade em comunicar (mesmo que seja altamente verbal), dificuldade em lidar e filtrar todos os estímulos exteriores, resistentes à mudança e fortes interesses em apenas determinadas áreas (por alguns denominados de “obsessões”, mas nós gostamos de os encarar como “motivações” :-)).
Compreender Autismo
Conscientes disso, assim nasce o Modelo Compreender Autismo que aborda várias áreas de intervenção. Áreas essas que sabemos que são transversais a todas as pessoas com autismo e fazem parte da interação social:
- Tempo de Atenção Conjunta
- Contacto Visual e Comunicação Não Verbal
- Comunicação Verbal
- Flexibilidade
- Comportamento
- Saúde
O autismo é de facto uma multiplicidade de desafios e o que pode parecer uma coisa má, na realidade não o é. O que queremos dizer com isto, é que abordando estas áreas, iremos estar a intervir em todos os desafios da pessoa com autismo. Este tipo de intervenção irá estar em várias frentes. Vai ajudar a pessoa que acompanhas a crescer e a aprender enquanto vais com ela, em vez de ir contra ela… Através da conexão e união vs a batalha diária de travar todo o comportamento considerado menos adequado.