Antes de continuares a ler este artigo, pedimos-te um tempo de reflexão… Não existem respostas certas ou erradas, apenas oportunidades de análise, introspeção, crescimento e aprendizagem com mais significado.
Com que frequência, durante o dia-a-dia, páras para dar explicações à pessoa com autismo que acompanhas?
Esta pergunta aplica-se se a pessoa é totalmente verbal, apenas diz algumas palavras ou sons, se é interativa ou mais exclusiva, se tem 3 anos ou 25 anos. Isto porque acreditamos que qualquer pessoa, entende o que estamos a dizer, apesar de por vezes parecer que nem nos está a ouvir.
Pois, o facto de não falarem connosco ou não interagirem connosco não significa que não estejam atentos ao que se passa à sua volta. Acreditamos fortemente, que no espetro do autismo, apesar de estarem no “seu mundo” estão igualmente a absorver tudo o que se passa à sua volta e a ouvir sempre. Por isso, também acreditamos, que a forma de comunicação, deve ser igual para todas as pessoas, sejam elas verbais/não verbais ou interativas/exclusivas.
Muitas vezes, como achamos que as pessoas com autismo não estão “on”, damos explicações rápidas ou não damos explicações nenhumas, pois achamos que é indiferente/que a pessoa não está a ouvir ou porque inconscientemente nem pensamos na importância e na diferença que poderá fazer.
As explicações são a chave para abrir inúmeras portas de sucesso para a pessoa que acompanhas
Sabemos que quando passamos a explicar às pessoas com autismo mais sobre o que vai acontecer ou o que está acontecer, elas ficam mais tranquilas e flexíveis. As pessoas com autismo vivem num mundo no qual não tem qualquer controlo e dar-lhes esta previsibilidade do que vai acontecer e este controlo antecipado, pode facilitar em muitos casos e ajudá-las a permanecerem tranquilas por terem tipo tempo de assimilar e se preparar para a situação. As explicações criam um ambiente previsível para as pessoas espectro do autismo.
Apresentamos alguns cenários, onde as explicações podem ser úteis. São apenas alguns exemplos, sendo que as explicações não estão limitadas apenas a estas situações. Com certeza que depois de ler este artigo te sentirás mais inspirado(a) a pensar nas áreas da vossas vida, onde as explicações podem trazem grandes benefícios à pessoa com autismo.
Exemplo 1.
O que achas que poderias fazer para trazer mais segurança e previsibilidade à pessoa com autismo antes de ela por exemplo sair de casa?
As pessoas no espetro do autismo precisam por vezes de mais tempo para assimilar e digerir a informação que lhes é fornecida do exterior. Muitas vezes na correria do nosso dia-a-dia estamos tão preocupados com o que temos de fazer e com os horários que temos de cumprir, que a própria saída de casa de manhã pode ser uma correria. Avisamos a pessoa 10 minutos (ou menos) antes de sair de casa que temos de ir e isto para eles por vezes pode ser uma grande confusão. Quando a informação lhes chega até ao ponto de terem de realizar o que é pedido, não é tempo suficiente de assimilarem e estarem prontos para essa transição tão brusca.
Contudo, algo que pode fazer uma diferença enorme é ANTECIPAR. Antecipar e explicar o que vai acontecer. Podes recorrer a recursos visuais para facilitar a explicação. Por exemplo criar um esquema com horas e imagens que ajudam a pessoa a entender o que vai acontecer e ir reforçando verbalmente o que vai acontecer.
Exemplo
Um exemplo seria: “Bom dia Matilde, hoje está um belo dia! Daqui a 1hora vais para a escolinha e eu e o papá vamos trabalhar. Que bom! Antes disso, vamos levantar-nos, tomar um bom pequeno-almoço, vestir, lavar bem os nossos dentes e preparar-nos para sairmos juntos de casa. Saímos as 8h30, para conseguires estar na escola as 8h45 como os teus coleguinhas.“
E ao longo da manhã vai reforçando o tempo que falta para sair de casa e volta a reforçar de forma tranquila que têm de sair as 8h30 para ninguém se atrasar e poder começar o seu dia de forma calma e tranquila, para o poder também desfrutar melhor. 5 minutos antes da hora de saída chegar podes voltar anunciar: “Matilde, está na hora! Pronta para sairmos de casa? Estou muito entusiasmada por termos as duas conseguido estar prontas a horas. Vamos a isso.“
Exemplo 2.
Segue agora outro exemplo. Que tipo de explicação acreditas que traria mais controlo e previsibilidade à pessoa se ela estivesse pela primeira vez num lugar novo?
Aqui está uma possível explicação: “Estou muito feliz por finalmente conhecer-te! O meu nome é Maria e eu estarei aqui na sala de brincar contigo durante as próximas 2 horas. Eu sei que este é um lugar novo, e que podes querer saber o que está acontecer, então eu vou-te contar tudo o que sei.
Antes de tudo, estou aqui para ajudar-te com qualquer coisa que precises, então, se tiveres sede, nós temos água na mesa, se estiveres com fome, nós temos um lanche na prateleira e, se precisares de ajuda na casa de banho eu também posso ajudar-te. Nós até temos brinquedos divertidos que se quiseres posso ir buscar para ti! Tenho também este horário para ti. Tem todos os nomes das atividades que temos para ti, e vou deixá-lo aqui na parede para que saibas sempre o que está acontecer. No horário, até diz que tua mãe regressa às 17h30.“
Explicações mais detalhadas
Nesta segunda explicação, é mais provável que a pessoa se sinta em maior controlo e segurança pois os detalhes dados do que iria acontecer foram bem maiores. Sabem o que está acontecer, sabem que a mãe irá voltar, sabem que tudo o que precisam está naquela sala, e até têm uma agenda visual para se lembrarem de como será o dia deles e acima de tudo, têm com eles uma nova amiga que lhes explica carinhosamente tudo o que vai acontecer.
As explicações ajudam a motivar a pessoa com autismo a usar formas de comunicação mais clara vs chorar, lamentar ou ter outro comportamento mais desafiador – estamos nós próprios a ser um exemplo claro de comunicação e queremos inspirar a fazer igual.
Contudo, não importa a idade da pessoa que acompanhas – explica os benefícios de usar formas mais claras de comunicação ao interagir com o mundo ao seu redor.
Exemplo 3.
Aqui está uma possível explicação que podes querer dar à pessoa que acompanhas se ela estiver a chorar ou fazer birra:
“Não tem problema nenhum chorar, mas muitas pessoas no mundo ficam confusas e não conseguem entender quando alguém chora. Quero muito ajudar-te e tenho algumas maneiras de te ajudar a conseguires melhor o que queres. Podes pegar na minha mão, mover-me para o que precisas. Ou fazer um som, usar as tuas palavras. Também podes vir e sentar no meu colo se apenas quiseres um abraço. Quero realmente muito ajudar-te.“
Explicações ajudam as pessoas com as mudanças e transições e no caso do espetro do autismo, é um desafio muito grande para eles permitir essas mudanças nas rotinas diárias.
Talvez a pessoa que acompanhas queira usar sempre a mesma roupa todos os dias ou levar com ela sempre o mesmo brinquedo para todo o lado. Pode querer usar sempre o mesmo copo para beber ou sentar sempre no mesmo sítio da mesa. Isto acontece, porque as pessoas com autismo precisam de criar estas rotinas previsíveis para se sentirem mais seguras num mundo que lhes está sempre a fugir ao controlo.
O impacto das explicações
Explicar o que está acontecer, o que acontecerá ou o que acabou de acontecer é uma ótima maneira de apoiar a necessidade de previsibilidade. E dar uma explicação detalhada antes da transição realmente acontecer, ajuda muitos!
Dar tempo para explicar quando uma transição está prestes a acontecer, e dar tempo à pessoa para processar essa mudança terá maior probabilidade de a pessoa receber a mudança de braços abertos. Pois, as explicações ajudam as pessoas a aceitar com mais calma e facilidade limites. Sabemos que existem limites que devem ser colocados, mas também é importante delineá-los e deixá-los bem claros, acompanhados de uma explicação detalhada e justificada da imposição do limite. Sabemos que as pessoas com autismo são muito mais receptivas e aceitam os limites quando explicamos por que está a ser pedido em primeiro lugar.
Exemplo 4.
Imagina o exemplo de uma pessoa a arrancar a página de um livro. Aqui está uma possível explicação que podemos dar:
“Quero cuidar dos nossos livros para que possas continuar a lê-los ou para que te possa continuar a ler histórias. Temos também outros amigos que poderão querer lê-los mais tarde, então aqui está um pedaço de papel que podes rasgar em vez das páginas do livro. Eu acredito em ti e sei que me vais ajudar a cuidar dos nossos livros. Então toma, pega neste pedaço de papel e rasga-o à vontade e se for preciso dou-te mais papel que não precisamos, para rasgares mais.“
Pois, todos nós queremos saber porque as pessoas nos pedem certas coisas. E o mesmo se passa para as pessoas no espetro do autismo. Se queres ajudar a pessoa a escrever no papel em vez de escrever na parede… Explica calmamente e claramente o porquê e oferece a alternativa do papel. Podes ficar muito surpreendido(a) como a tua explicação pode ajudar imenso a resolver a situação.
Em suma…
Se a tua resposta à pergunta inicial deste artigo é agora… “Não, eu na verdade não explico muita coisa para a pessoa que acompanho“.. Contudo, desafia-te a fazer exatamente isso hoje. Respira, diminui a velocidade e dá prioridade a falar claramente com ela, porque ela o está a ouvir e isso ajudará bastante.