Antes de começares a entrar mais em detalhe sobre técnicas e estratégias para ajudares a criança a usar a sanita, coloca estas questões a ti mesmo/a: Fico assustado/a com a ideia de ensinar a criança a usar a casa de banho? Ou sinto-me bastante entusiasmado/a e motivado/a para começar esta nova aventura com ela? 🙂
Refletir sobre estas questões é fundamental antes de se iniciar o processo. A atitude tem um impacto bem maior do que aquele que achamos. Por isso, é importante que ao longo desta nova aventura te sintas relaxado/a e confortável com o caminho e eventuais percalços que possam acontecer. As idas à casa de banho são um grande passo para a criança. Desta forma, ela pode querer controlar como e quando o faz. Se estiveres tenso/a e desconfortável, podes estar, inconscientemente, a transmitir essa insegurança e incerteza. A criança irá perceber isso e pode relacionar com toda a experiência da ida à casa de banho.
Por isso, em primeiro lugar, percebe como te sentes em relação a esta fase: Sentes-te à vontade com a ideia de a sua criança ainda não usar a casa de banho e quer que comece a usar rapidamente? Ficas receoso/a quando pensas que poderás ter de limpar os descuidos de xixi e cocó que poderão acontecer pelo caminho? Ou sentes-te confiante e relaxado de iniciar esta aventura ao ritmo da sua criança?
Se sentes mais o desconforto, não há problema algum, é compreensível. No entanto, nesse caso, recomendamos que não inicies já esta etapa, aguarda até que te sentires 100% à vontade. Dá tempo a ti próprio/a e o espaço necessário até te sentires verdadeiramente preparado/a. Mas se, por outro lado, te sentes bem e confortável, então vamos lá começar!
1. Avalia se a criança está pronta
O primeiro passo é perceber se a criança está pronta para usar a sanita. Para isso, recomendamos a leitura do seguinte artigo: Checklist para o desfralde
2. Desmistifica o que acontece na casa de banho
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Começa por mostrar à criança que as idas à casa de banho e o que lá acontece não tem nada de mal.
Fala abertamente sobre o assunto – que é algo natural, saudável, divertido e que faz parte de sermos seres humanos. Da próxima vez que trocares a fralda à criança e ela fizer cocó, por exemplo, mostra-lhe de forma sorridente e partilhe com ela como ela conseguiu, que o corpo dela é incrível e está a fazer exatamente o que é suposto fazer. De seguida, vão em conjunto colocar a fralda no lixo, para a criança perceber para onde vai e ter noção do processo todo.
Algumas crianças são aprendizes visuais e precisam de ver as coisas a acontecer para as entenderem. Outras crianças precisam de tempo para processar e talvez precisem de ouvir um conceito ou ideias várias vezes. Outras precisam de explicações e exemplos da nossa parte.
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Também podes anunciar orgulhosamente cada vez que vais à casa de banho. Explica de forma entusiástica que estás a sentir algo na tua barriga, na parte de baixo do abdominal, uma sensação de empurrar para baixo e que está na hora de ir usar a sanita. Partilha com a criança e até podes convidá-la a ir contigo para lhe mostrares o que acontece quando se vai à casa de banho. Se a criança aceitar ir contigo, torna o momento divertido. Talvez ela possa puxar o autoclismo ou acenar para dizer adeus enquanto o xixi/cócó desaparece sanita abaixo. Pode parecer estranho, mas para algumas crianças é importante ver o cocó na sanita para perceber o que acontece e reconhecer que o cocó delas também deve estar lá. Da mesma forma, acontece com o xixi, leva a criança contigo, para ouvir o som do xixi a cair enquanto conversas com ela sobre o que está a acontecer de forma animada – “Yahoouuu estou a fazer xixi na sanita. Sinto-me muito melhor agora que estou a fazer xixi.”
Se por acaso a criança não quiser ir contigo, não tem mal nenhum. Partilha a tua experiência na mesma: “Acabei de fazer cóco e sinto-me muito melhor e bem mais leve. Limpei-me e agora sinto-me bem fresco e limpo.”
E, quando outra pessoa usar a casa de banho, felicita-a quando sair, por exemplo com um mais cinco. Vamos mostrar à criança que as idas à casa de banho não têm nada de assustador, antes pelo contrário, podem ser bastante divertidas!
3. Ajudar a criança a ter consciência de quando deve usar a sanita
Uma coisa que é essencial para ajudar a criança neste processo é ensinar-lhe como o próprio corpo funciona e que coisas é que é normal sentir nessas situações. Nós sabemos quando temos xixi e sabemos quando temos cocó. Isto acontece porque os nossos corpos nos dão mensagens diferentes.
Queremos explicar isto à criança para que ela consiga ler os sinais do seu corpo. Por isso, é importante que lhe expliques o que tu sentes, ao detalhe, em cada uma das situações. Para nós pode ser óbvio, mas não quer dizer que o seja para a criança. No entanto, é um passo muito importante neste processo.
4. Torna a casa de banho um lugar divertido
Pensa maneiras de tornar a casa de banho mais convidativa e apelativa para a criança. Recorre às suas principais motivações, por exemplo, decorando a sanita com aquilo que ela mais gosta. Assim, se gosta de carros, cola carros à volta da sanita; se gosta de números, crie um caminho com números até à casa de banho, etc.
Procura que a casa de banho esteja adaptada em termos de estímulos sensoriais. Por exemplo, atenção a luzes, cheiros dos sabonetes e ambientadores, barulho do autoclismo, etc.
Aproveita para passar mais tempo, com a criança, na casa de banho. Por exemplo, se for possível, faz a troca da fralda na casa de banho. Se estiverem a brincar às cavalitas, por exemplo, faz um passeio até à casa de banho. Se a criança adora o Mickey, coloca um peluche do Mickey na casa de banho, senta-o na sanita e finje descarregar o cocó ao usar uma voz engraçada. A ideia aqui é ser divertido e relaxado, convidar e motivar, mas sem forçar.
5. Vamos retirar a fralda!
Agora que estás confortável com esta aventura e já deste os primeiros passos para mostrar à criança o que acontece na casa de banho e para ajudá-la a reconhecer os sinais está na hora…. É agora!
Compra cuecas divertidas e engraçadas para a criança (com as suas personagens preferidas, por exemplo). Podes sempre comprar cuecas brancas e decorá-las com marcadores próprios com as motivações específicas (letras, números, planetas, países, uma personagem específica, etc). Puxa pela criatividade e pensa naquilo que a criança gosta. Experimenta diferentes tipos: cuecas, boxers, com fibras naturais se a sua criança for mais sensível, etc.
Se quiseres, numa fase inicial para não ser tão radical, podes começar por vestir as cuecas por cima da fralda até fazer a transição totalmente.
Tirar a fralda e usar cuecas, permite que a criança experiencie a verdadeira sensação de não ter algo que impede o xixi quando ele tem vontade de sair e perceber o que de facto acontece – o xixi sai, a criança fica molhada. Será mais fácil ganhar consciência dos sinais do seu próprio corpo.
6. Prepara-te para alguns acidentes
Porque eles vão acontecer! 🙂 Se tens coisas em casa que se podem estragar, como tapetes ou sofás de pele, podes cobri-los com um lençol velho ou com capas específicas de proteção. Convém teres sempre à mão uma muda de roupa, cuecas, toalhas velhas, toalhetes, antisséptico para as mãos, etc.
Agora que sabes que poderá fazer xixi e enquanto observas para perceber os sinais da criança, começa a incentivar a criança a ir à sanita várias vezes ao longo do dia. Mesmo que não faça naquele momento as suas necessidades, deixe-a a estar lá sentada durante algum tempo – sem esquecer de tornar o momento divertido. Acompanhe o processo, oferecendo explicações à criança, como: “Já passaram algumas horas desde a última vez que fizeste xixi e talvez precises de ir outra vez. Estou tão entusiasmado/a com isto, vamos outra vez!”.
Se a criança não fizer na sanita, mas fizer depois no chão, não reproves nem castigues. A criança está em fase de aprendizagem, ainda a assimilar toda esta nova informação e queres motivá-la a continuar o processo e a deixá-la segura e confiante. Se a criança fizer xixi no chão, podes explicar, por exemplo: “Fizeste xixi, da próxima vez vamos tentar fazer na sanita sim?”. Não vás a correr tirar de imediato as cuecas, principalmente no verão. Dá tempo a ver se a criança percebe o que aconteceu, se sente que está molhada. É uma sensação nova, pois antes a fralda protegia-a disso.
Tal como referimos, convida a criança a ir regularmente à sanita, mesmo que não vejas sinais, para que comece a tornar-se uma rotina. Faz o convite de forma divertida, de hora a hora, por exemplo.
7. Última nota mas não menos importante…
O autismo é uma perturbação da comunicação e da interação, por isso, quando trabalhamos com a criança/jovem/adulto com autismo, é importante colocar em primeiro lugar a nossa relação com ela, sendo amigáveis, acessíveis e carinhosos.
Dá controlo
Desta forma, quando iniciares a aventura do desfralde, esteja ela na fase que estiver, é importante ofereceres total controlo da sanita. E importante que esta seja uma aventura relaxada e divertida com a criança, livre de pressões. Se a criança se distanciar, fugir ou disser de forma muito convicta que não quer ir à casa de banho, respeita o seu tempo e celebra o facto de te estar a comunicar. Põe o convite em pausa nesse momento, voltando a tentar mais tarde, sem pressionar demasiado. O facto de responderes de imediato à necessidade de controlo da criança, respeitando que ela não quer, vai fazer com que se sinta respeitada e que estás lá para ela. Assim, estarás a criar uma relação de confiança com ela.
Evita manipulação física
Caso a sua criança aceite começar este processo de sentar-se na sanita, recomendamos que diminuas ao máximo a manipulação física. Assim, só deverás mover o corpo dela se a estiveres a ajudar ou a fazer algo que ela própria lhe pediu. Por exemplo, segurar-lhe a mão para a ajudar a sentar-se na sanita e podes até avisar a criança antes de o fazeres – “Agora vou pegar-te ao colo para te ajudar a levantar e a sentar e atenção, 3 2 1…. Aqui vou eeeeeu!”. Depois faz uma pequena pausa para dar tempo à criança de assimilar o que lhe estás a comunicar ou até lhe dar a oportunidade de recusar a sua ajuda, caso assim ela o queira. Queremos dar-lhe o máximo de sensação de controlo, pois é ela que lidera este processo, tu apenas está lá para apoiar.
No autismo (e não só), quanto mais controlo damos, mais flexíveis se tornam as crianças. Isto porque nós próprios estamos a ser um exemplo claro de flexibilidade e, assim, queremos inspirá-las a fazer igual. Lembra-te que… mais importante do que o que dizemos, é o que fazemos 🙂