Procurar

Como motivar a variar na alimentação?

3 de Fevereiro de 2020 – vencerautismo

Os desafios na alimentação são muito comuns nas pessoas com autismo. Mas a boa notícia é que é algo que se pode trabalhar ao longo do tempo!

Antes de avançares para o passo, confere algumas estratégias que deverás evitar quando tentas introduzir novos alimentos na alimentação da pessoa com autismo. Se já usaste algumas destas estratégias, não te culpes, estavas a fazer o melhor que sabias e, lembra-te, que todos nós falhamos e é assim que aprendemos também – a ideia aqui não é apontar dedo a ninguém. De qualquer forma, ainda vais a tempo de mudar de estratégia e recomeçar toda uma nova aventura com a pessoa com autismo.

Estratégias a evitar

  1. Obrigar a pessoa a comer uma nova comida.. Isto pode piorar ainda mais a situação e levar a pessoa a aumentar a sua recusa. Ambos ficarão frustrados e com uma má experiência nesta área da alimentação, sendo que o objetivo é exatamente o contrário.
  2. Fazer uma refeição separada para a pessoa. A refeição é uma e a pessoa come o que quiser, sabendo que não vais estar a ir cozinhar algo diferente para ela, caso decida não comer. Se a pessoa souber que ao rejeitar comer, lhe vão cozinhar algo que ela gosta mais, será muito fácil começar a rejeitar cada vez mais.
  3. Castigar. Por norma, não funciona. É mais útil recompensar o comportamento que queremos que a pessoa tenha mais vezes. Por exemplo, celebrar e elogiar.

Agora que já tens uma ideia do que evitar, vamos focar-nos naquilo que podes pôr em prática para melhorar a relação da pessoa com autismo com a comida:

1.Faz um registo da rotina alimentar da pessoa

Começa a tomar nota daquilo que ela come e quando come. Por vezes, um diário alimentar pode ser útil e reconfortante. Por exemplo, pode ajudar-te a ver que a pessoa come uma variedade maior de alimentos do que pensavas inicialmente. Além disso, também te pode ajudar a perceber um padrão alimentar, sendo mais fácil desenhar depois um plano de ação. Alguns exemplos do que incluir no seu registo diário:

  • A que hora do dia comeu?
  • O que comeu?
  • Onde comeu?
  • Quais as quantidades que comeu?
  • Quais as texturas/cheiros dos alimentos que comeu?
  • Quem estava presente?
  • Como é que as pessoas que estavam à volta responderam à pessoa que estava a comer? Elogiaram, não tiveram reação, repreenderam?
  • Houve algum fator ambiental, como por exemplo um rádio a tocar no fundo?
  • Como esteve a sua pessoa durante o dia (tranquila, mais agitada, etc)?

Responder a este tipo de questões pode revelar algumas causas das dificuldades alimentares. Assim, tenta descobrir se é a quantidade, o tipo ou a variedade de alimentos consumidos, a questão central. Ou se, por outro lado, está mais relacionado com outras questões como desafios sensoriais, contexto, pessoas envolvidas, estado emocional, etc.

2. Consulta um profissional

Assim, podes perceber se a pessoa tem alguma intolerância ou sensibilidade alimentar e se, de facto, há alimentos que deves evitar. Enquanto esperas por uma avaliação, começa tirar notas sobre o que acontece com a pessoa com autismo: Quando é que os sintomas gastrointestinais parecem começar? Depois das refeições? Entre as refeições? De noite? Que alimentos ingere que provocam de seguida os sintomas?

Algumas pessoas com autismo parecem ter reações negativas a produtos de leite (associado a uma proteína chamada caseína) e/ou produtos com trigo. Essas reações podem não ser alergias, mas sim sensibilidades que estão associadas a determinados sintomas. Se realmente acreditas que a pessoa está a reagir negativamente a algum alimento, podes considerar começar uma alimentação em que retiras completamente esse alimento/ingrediente. É muito importante, no entanto, assegurares que a pessoa está a receber os nutrientes todos que precisa. Por essa razão é boa ideia consultar um nutricionista e/ou um médico.

3. Acredita que é possível

É muito comum assumirmos o que a pessoa com autismo consegue ou não fazer. Só porque a pessoa ainda não o fez, não significa que não consiga ou que nunca venha a conseguir fazê-lo. Se assumimos que a pessoa não consegue, estamos a fechar as possibilidades e oportunidades de a ajudarmos a chegar mais longe. De facto, tal como qualquer outra pessoa, as pessoas com autismo podem mudar e o mais provável é que o façam. O primeiro passo para encorajar a pessoa com autismo a comer novas coisas é realmente acreditares que ela é capaz de o fazer. Ela acreditará naquilo que tu acreditares e vai receber as mensagens que lhe transmitires. Portanto, antes de mais, decide que é possível!

4. Prepara o ambiente

É de conhecimento geral que as pessoas com autismo têm um processamento sensorial diferente da norma e, por vezes, o ambiente pode influenciar, e muito, o comportamento. A pessoa com autismo pode, por exemplo, estar num contexto muito perturbador e barulhento, a cadeira onde se senta pode ser demasiado dura ou desconfortável. Por outro lado, podem haver outros estímulos reconfortantes e relaxantes, como uma música de fundo a tocar ou algum som em específico que seja tranquilizador para a pessoa. Tenta analisar se algum fator contextual pode estar a perturbar/ajudar as horas das refeições – e procura eliminar ao máximo o que perturba e incluir o que ajuda!

5.Sê um exemplo

Quando não gostamos de determinados alimentos e o expressamos de diversas formas (verbalmente, com expressões faciais, etc), a pessoa com autismo consegue perceber isso e pode deixá-la mais reticente em experimentar novas comidas. Por isso, introduz novos alimentos com prazer e entusiasmo, dando o exemplo, mostrando como é saboroso. Inspira a pessoa a experimentar ao ver-te a comer. Se tu não gostas de determinado alimento e/ou se não te mostrares disposto/a experimentar novas comidas alegremente, como podes esperar que a pessoa com autismo o queira fazer?

Mostra (tu e a restante família) que estás a desfrutar do alimento e dá tempo à pessoa para experimentar se quiser (desta vez ou numa próxima).

6. Elogia

Quando a pessoa experimentar um novo alimento, mesmo que depois diga que não gosta ou não quer mais, reconhece o seu esforço. Podes dizer, por exemplo: “Uau, é ótimo que tenhas experimentado as cenouras!”.

7.Observa

Fica atento/a a quais texturas e/ou cheiros e/ou sabores dos alimentos a pessoa aceita com mais facilidade. Por exemplo, a pessoa não quer comer brócolos ou maçãs ou, por outro lado, não toca em compota, molhos, sumo de laranja ou sopa. Em ambos pode haver um padrão: no primeiro caso, pode haver recusa de comidas crocantes; já no segundo caso, pode haver rejeição de comidas macias, pegajosas ou mais líquidas.

Por vezes, as pessoas coma autismo têm defesas sensoriais, o que faz com que fiquem mais facilmente perturbadas (e, por isso, evitem) certas experiências sensoriais. Por exemplo: determinados cheiros, texturas, sabores, etc. Para umas pessoas podem ser apelativas e para outras difíceis de tolerar.

Uma vez detetado um padrão – por exemplo, rejeição de alimentos crocantes-, deixa de oferecer, num primeiro momento, comida crocante. Então, cozinha os brócolos até que fiquem moles, oferece papas de aveia em vez de bolachas de arroz, etc. Existem sempre alternativas nutricionais perfeitamente aceitáveis de comida de todas as texturas, cheiros ou sabores.

Se queres mesmo que pessoa coma determinado alimento que a pessoa está a rejeitar, podes considerar “esconder” esse alimento noutras comidas. Por exemplo, muitos pais colocam vegetais em queques deliciosos ou até gelados.

Tenta ajustar a textura da comida, por exemplo, para algo mais agradável para a pessoa. E procura introduzir novos elementos ou texturas em pequenos passos, para uma dessensibilização gradual.

8.Muda a apresentação da comida

Utiliza as motivações da pessoa para apresentares novos alimentos que queres introduzir. Por exemplo, desenhe caras, bolas, carros com os alimentos no prato – sê criativo/a! A atenção aos detalhes e a dificuldade com a mudança são comuns nas pessoas com autismo. A forma como a comida é apresentada ou posicionada no prato ou a embalagem do alimento podem ditar se este é comido ou não.

9.Oferece total controlo

Encontre comidas semelhantes às que a pessoa com autismo prefere e oferece opções. Para algumas pessoas com autismo, a comida é uma das poucas áreas em que sentem que tem algum controlo. Em vez de entrares em jogos de poder, oferece à pessoa várias opções de comida e deixe-a escolher aquela que preferir.

Experimenta alimentos com texturas que a pessoa gosta. Por exemplo, se não gosta de alimentos suaves e come apenas alimentos crocantes, experimenta oferecer legumes crus, como cenouras, em vez de vegetais cozidos. Dar a escolher entre dois alimentos pode oferecer à pessoa uma sensação de controlo e facilitar a mudança. Dá liberdade à pessoa para explorar primeiro o novo alimento que está a introduzir. Assim, permite que ela olhe para o alimento, que lhe toque, depois convida-a a colocar o alimento no prato, depois a cheirá-lo, lambê-lo, colocá-lo na boca, mordê-lo, mastigá-lo e engoli-lo. O mais provável é que numa primeira tentativa se fique por olhar e tocar, mas não deixe de trazer esse alimento para a mesa. Tenta não reagir negativamente à comida que é cuspida. Cuspir o alimento faz parte do processo para a pessoa se sentir mais confortável em manter os alimentos na boca e, eventualmente, ingeri-los.

10. Introduz esta educação alimentar em brincadeiras que a pessoa goste

Quando a pessoa estiver envolvida numa brincadeira/atividade aproveita também essa oportunidade para trabalhar a questão da alimentação, de forma descontraída.

Por exemplo, imagina que estás a fazer um jogo de cócegas em que é o monstro das cócegas que corre atrás da pessoa para depois o encher de cócegas. Inicia a brincadeira e quando a sentires completamente envolvida, anuncia que estás a ficar sem energias, que te estás a sentir cansado/a e vais ter de fazer uma pequena pausa para comer algo para repor energia. Assim, vais ter por perto um prato com um (ou mais) alimento novo que está a tentar introduzir, cortadinho em pedaços pequenos, e quando precisares de energia pegas no prato de forma entusiasmada e podes dizer algo do género: “hummm, que bem que isto cheira e que bom aspecto tem! Vou comer para ver se ganho forças para continuar a fazer-te muitaaaaas cócegas!”. Saboreia com entusiasmo e partilha o bom que é. Aproveita o momento para dar o exemplo. E retome a brincadeira com ainda mais animação!

Numa fase inicial, podes só repetir esta atividade várias vezes, deixando sempre o prato à vista e alcance da pessoa. Se vires que está curiosa (por exemplo, olhando para o alimento), convida-a a ver mais perto, a tocar, cheiras e quem sabe provar. Mas sem pressão. Todos os momentos são oportunidades de aprendizagem e os melhores e mais efetivos são quando a pessoa está livre de pressões e se está a divertir. Dessa forma, probabilidade de aderir aumentarão!

11. Diverte-te!

Foca-te em ter uma experiência descontraída e positiva em torno de novas comidas. Mantém muita comida disponível e ao alcance da pessoa. Faz de conta que um brócolo é um brinco e que duas cenouras são um par de binóculos, por exemplo. Quanto mais te divertires, mais se divertirá a pessoa com autismo também.

Estas etapas podem demorar algum tempo a serem concluídas, mas não percas a consistência e perseverança. Tenta lembrar que o objetivo é aprender e estar confortável com diferentes alimentos e não propriamente fazer a pessoa comer todos os alimentos apresentados. Boas aventuras!

Podes aprender mais sobre este tema através das nossas Masterclasses:

Podes aprender mais sobre este tema através das nossas Masterclasses:

Artigos relacionados

Descoberta ligação entre certos tipos de autismo e a flora intestinal

1 de Novembro de 2013 – vencerautismo

Alimentação e Autismo

24 de Abril de 2015 – vencerautismo

7 dicas para mudar a dieta da sua criança

14 de Dezembro de 2017 – vencerautismo

As razões por que não gosto de comer

20 de Dezembro de 2017 – vencerautismo

Checklist para introdução de novos alimentos

20 de Dezembro de 2017 – vencerautismo
Anterior
Seguinte

Eventos relacionados