Muitas vezes, as pessoas com autismo podem ter comportamentos de auto-agressão, tais como: bater com a cabeça na parede/chão (por vezes, até fazer hematoma), morder a mão com tanta força que fica a marca dos dentes, estaladas ou até mesmo murros na sua própria cabeça, barriga ou outra parte do corpo, etc.
Estes momentos podem ser muito difíceis de gerir, pois pode ser muito angustiante ver a pessoa com autismo agredir-se. Deixam-nos com uma sensação de impotência e o medo invade muito facilmente. Também surge, frequentemente, o sentimento de culpa por não conseguirmos gerir a situação ou não conseguirmos impedir que a pessoa tenha este tipo de comportamentos. Contudo, é importante ter em mente que todos estão a fazer o seu melhor, tanto a pessoa com autismo como o/a cuidador/a.
Estratégias para oferecer segurança
A nossa primeira preocupação deve ser efetivamente encontrar estratégias para manter a pessoa em segurança. Nestas alturas, é importante oferecer alternativas de comportamento, tais como:
- se a pessoa bate com a cabeça nas paredes ou no chão, então podemos pegar numa almofada/bola mais macia/bola de Pilates/cobertor grosso e colocar entre a cabeça da pessoa e a parede para amortecer o choque e suavizar a superfície;
- se a pessoa estiver a morder a mão com força, então podemos oferecer-lhe outros objetos (como brinquedos de borracha) que possa morder;
- se a pessoa usa algum objeto duro para bater nela própria, então podemos calmamente e devagar retirar-lhe o brinquedo e colocar fora do seu alcance e oferecer-lhe um mais mole. Também podemos sugerir, em contrapartida, uma massagem com mais força ou apertos para a ajudar a ultrapassar esse momento.
Podemos experimentar estas alternativas, mas em muitos casos, constatamos que as pessoas com autismo não aceitam estas alternativas. Fogem para outra zona, afastam-se de nós e ignoram as nossas sugestões. Então, isto deve fazer-nos questionar: porque será que continuam a ter estes comportamentos, se à primeira vista, ou na nossa perspetiva, infligem tanta dor? Com o autismo, aprendemos a olhar para as coisas com outro olhar, fora da caixa, para tentar entender o porquê de cada comportamento. Todo o comportamento é uma forma de comunicação. Frequentemente, o desafio é tentar entender o que a pessoa com autismo nos está a comunicar. O mesmo acontece com os comportamentos autoagressivos.
Um outro olhar para estes comportamentos
Então, vamos tentar olhar para estes comportamentos de uma forma diferente. Experimenta bater com a tua testa contra a parede (sem te magoares) ou pressionar essa zona e vê que sensação te dá; se reparares bem, na maior parte dos casos, as crianças batem com a parte da frente da cabeça – com a testa – a parte mais dura do crânio. No caso de morder aos mãos, a maior parte das pessoas com autismo, morde a parte grande e macia da mão logo por baixo do polegar. Tenta agora morder essa parte com mais força e verás que muito provavelmente deixas a marca dos dentes, mas não provoca assim tanta dor.
Hipossenbilidade
Muitas das pessoas com autismo têm uma sensibilidade à dor diferente da nossa. Por norma, só se agridem até ao ponto que conseguem suportar, no entanto, conseguem suportar muito mais do que nós. Os seus corpos e sistemas sensoriais processam os estímulos de forma diferente. Desta forma, o que a nós nos pode magoar e fazer muita impressão, a elas não. Hipossensibilidade quer dizer que a pessoa tem uma alta tolerância à dor e outros estímulos táteis e, por isso, precisa de um aumento nos estímulos que recebe (como aumento de pressão nas mãos/pés/cabeça), muitas vezes para sentir o próprio corpo e ter noção do mesmo. Algumas pessoas relatam sensações de dormência nas extremidades do corpo, sendo para elas necessário estímulos mais fortes e o bater, apertar pode ser uma forma de o conseguir.
Assim, tendo em mente o que referimos anteriormente, podemos olhar para os comportamentos autoagressivos de uma nova perspetiva: a pessoa com autismo está a tentar comunicar connosco. Nesse sentido, é importante estarmos atentos e observarmos para descobrirmos o que nos quer dizer e para lhe podermos oferecer o que estão a pedir (e eventualmente, ajudá-la a comunicar de outra forma). Esta nova perspetiva, vai mudar a forma como reagimos a estes comportamentos, vai mudar a nossa atitude, que é fundamental ao longo deste processo.
Principais razões deste tipo de comportamentos
- “Preciso de mais controlo. Por vezes, o mundo há minha volta é esmagador e fora do meu controlo. E quero ter mais controlo da minha vida. Bato com a minha cabeça quando me levam lá para fora, porque lá há muito estímulo. Bato com a minha cabeça quando o meu irmão está a fazer muito barulho porque sobrecarrega o meu cérebro. Quero menos estimulação e mais controlo da minha vida.”
- “O meu corpo precisa de “informações físicas”. Às vezes, não me parece bem, então bato com a minha cabeça de forma aliviar a pressão ou para me ajudar a sentir o meu corpo. Ele muda todos os dias, eu não posso controlar as sensações que sinto no corpo, por isso mordo a minha mão ou bato com a cabeça para tentar ajudar o meu corpo a sentir-se melhor.”
- “Tenho muita energia e entusiasmo acumulado, não sei o que fazer com estas sensações, então bato com a cabeça, bato no corpo ou mordo como forma de libertar essa energia toda.”
- “Gosto de ver a reação das pessoas à minha volta”
Como podes ajudar?
1.Arranja um espaço em casa livre de estímulos
Deixa esse espaço acessível à pessoa com autismo para ela poder passar lá o tempo que precisar. Este será o espaço para ela se sentir menos sobrecarregada. Muitas pessoas com autismo que têm comportamentos autoagressivos reduzem ou eliminam imediatamente estes comportamentos quando passam parte do seu tempo num espaço livre de estímulos, onde se podem autorregular. Podes estar com a pessoa e/ou permitir que fique sozinha.
2. Oferece à pessoa mais controlo e relembra-a de quanto controlo ela tem em diferentes situações
Ao longo do dia, podes oferecer controlo em diferentes situações: ficar calado/a quando ela pede, juntar-te aos seus comportamentos repetitivos e reproduzi-los, dar-lhe os brinquedos que ela quer, só jogar os jogos que ela quer que joguemos; além disso, podes dar-lhe opções de escolha ao longo do dia “queres pêra ou maçã para o lanche? queres duas ou três colheres de sopa para o jantar?”. Quanto mais respeitares os seus limites e lhe ofereceres opções de escolha, mais a pessoa se sentirá no controlo e menor vai ser a necessidade de comportamentos autoagressivos. E quando lhe deres o controlo, mostra-lhe que o fizeste: “Vês como isso foi rápido? Quando me disseste que não querias o jogo, eu arrumei-o rapidamente. Não é bom seres tu a mandar aqui?”.
3. Oferece mais estímulos físicos
Se a pessoa com autismo começar a bater com a cabeça, oferece apertos na cabeça, mandíbula e pescoço. A pessoa também pode querer apertos ou arranhões muito leves para se ajudar a autorregular. Se recusar apertos na zona da cabeça, podes oferecer apertar os pés. Segue o que a pessoa te permitir, lembra-te que a ideia é dar-lhe total controlo. Se sentires que a pessoa vai entrar nesse comportamento, tenta antecipar e oferece os apertos que o comportamento autoagressivo aconteça, se possível.
4. Terapia Craniossacral
Se a pessoa bate com a cabeça frequentemente, faz uma pesquisa sobre a terapia craniossacral. É uma forma de massagem que ajuda a melhorar o alinhamento do crânio e, portanto, pode permitir que se sinta mais confortável.
5. Oferece diferentes opções para libertar a sua energia ao longo do dia
Como colocar pressão em cima do seu corpo com uma bola de pilates enquanto está deitada, correr às voltas da sala, saltar no trampolim, fazer algum tipo de desporto, etc.
6. Reflete: “Como me sinto em relação a isto?”
A maioria das pessoas sente-se desconfortável nestas situações – o que é natural – e a pessoa com autismo percebe esse sentimento, podendo ser um gatilho para continuar a ter o comportamento. Não te preocupes se normalmente te sentes mal, podes sempre dar a volta a isto. Quando sentires e agires mais calmamente (não reagir de forma divertida), a pessoa não não vai receber a mesma reação de ti e poderá diminuir significativamente o comportamento.
7. Reflete: “Será que é desta forma que a pessoa com autismo consegue o que quer, quando de outra forma não conseguiria?”
Muitas vezes, a pessoa com autismo (principalmente as crianças), recebe o que quer assim que começa a apresentar comportamentos autoagressivos. Desta forma, percebe que tem o que quer quando o faz. Torna-se, assim, super eficaz a usar o comportamento autoagressivo como forma de comunicação para conseguir o que quer. Se este for o caso, tens que torná-lo num método ineficaz e deixares de dar à pessoa aquilo que ela quer quando tem estes comportamentos. Idealmente, antecipa o que a pessoa quer, para que nem sequer sinta necessidade de ter um comportamento autoagressivo e, aos poucos, perceber que esse comportamento, afinal, não lhe é útil, pois as suas necessidades são ouvidas sem que tenha de recorrer a ele.
8. Analisa a alimentação
Por vezes, os comportamentos de autoagressão podem ser uma reação a algo que a pessoa come – por exemplo, ingestão de açúcar. Algumas pessoas com autismo têm um organismo mais sensível e é frequente sofrerem de uma alergia alimentar ou sensibilidade ao açúcar, levando à manifestação deste tipo de comportamentos.