O primeiro passo, e mais importante, para definir ou criar brincadeiras do interesse da pessoa com autismo é sabermos quais são os seus interesses e motivações.
Interesses e motivações
Quando falamos em interesses e motivações não é o que a pessoa com autismo faz porque lhe pedimos, tais como, fazer um desenho, um puzzle ou ordenar letras. Mas sim, tudo o que ela faz de forma espontânea e se diverte a fazer.
Muitas vezes os cuidadores têm dificuldade em perceber quais são as motivações da pessoa com autismo porque, muitas vezes, não brincam com nada em concreto, ou parece que não procuram nada de especial a não ser o ipad, ver vídeos no youtube ou televisão. Mas a verdade é que se observarmos melhor vamos conseguir perceber que a pessoa com autismo tem muito mais interesses e motivações do que aquilo que achávamos.
No caso das pessoas com autismo, por vezes os interesses podem ser coisas atípicas ou coisas pouco comuns. Ou seja, é comum terem interesses como ver objetos a cair, ouvir alguns sons específicos ou ver algumas reações nossas mais exageradas. Podem não achar graça a carros, mas podem gostar de ver as rodas dos carros a girar.
A ideia é tirar um pouco de tempo para observar o que a pessoa com autismo faz quando está sozinha. O que é que ela procura, o que lhe cativa a atenção, o que faz com que se ria ou sorria e desperte o seu interesse. Esses são os pontos a observar e a apontar!
Para pessoas que passem muito tempo em frente ao computador, tablet ou televisão, observa o que é que ela vê repetidamente. São sempre os mesmos vídeos, são sempre as mesmas partes do vídeo, as mesmas personagens? É alguma música, luz, som?
Identificar as motivações e interesses das pessoas com autismo é o primeiro passo para conseguires criar brincadeiras / atividades que sejam do seu interesse. Depois, será a partir dessas brincadeiras que vais conseguir trabalhar os teus objetivos. Portanto a tua primeira tarefa é fazer uma lista dessas mesmas motivações e interesses!
Quando a pessoa com autismo está motivada e se está a divertir, estes dois fatores aceleram o desenvolvimento e aumentam a sua atenção em nós. E isso é tudo o que precisamos para conseguir trabalhar as nossas metas.
Tempos de disponibilidade
Para além desta lista, é também importante ter em atenção os tempos de disponibilidade. Por vezes, até podemos criar brincadeiras altamente interessantes para a pessoa com autismo. No entanto, se as apresentamos no timing errado, o resultado que temos é de uma pessoa que não ligou nenhuma ao que preparámos. As pessoas com autismo têm tempos de disponibilidade e momentos em que estão abertas à interação e outros que não estão. É fundamental ter isso em atenção e saber ler os sinais que a ela nos passa.
Quando uma pessoa está pronta para uma interação, geralmente mostra-nos dando algum sinal. Esses sinais podem ser como um contacto visual, vir para ao pé de nós, olhar para o que estamos a fazer, ou pedir-nos algo e é neste momento que temos abertura da sua parte para poder construir sobre essa interação. Uma vez estabelecida e fortalecida essa interação, podemos apresentar a nossa tão ansiada atividade!
Agora que já temos a base explicada (lista de interesses e uma pessoa disponível e pronta para a interação) podemos então entrar em ação! Por vezes a dificuldade de criar brincadeiras está ligada ao facto dos interesses das pessoas com autismo serem tão fora do comum e não sabermos bem como os podemos usar para conseguir trabalhar com elas uma série de competências.
Criar brincadeiras – exemplo 1
Partilhamos um exemplo de uma pessoa com autismo que adorava ver pedaços de papel a cair. Pegava em papel, rasgava-o aos pedacinhos e atirava-os ao ar olhando para os pedacinhos a cair. Corria pela sala, voltava a apanhar os papéis, atirá-los ao ar e vê-los a cair.
Como a pessoa também adorava brincadeiras físicas, criámos uma brincadeira com um circuito em que ela tinha de percorrer o percurso e chegava ao final e tinha um balde que se virasse, via papéis e confettis a cair. No meio dessa brincadeira conseguimos trabalhar objetivos como o esperar pela sua vez, ter de seguir um jogo com regras e estruturas simples, participar física e verbalmente na interação.
Como a pessoa estava muito motivada para chegar ao fim e virar o balde, para ela participar da brincadeira foi altamente motivador. E ao mesmo tempo que brincávamos, conseguimos trabalhar com ela uma série de competências, sem ela se aperceber – porque se estava a divertir!
Criar brincadeiras – exemplo 2
Tínhamos outra pessoa com autismo que tinha muito interesse em saber o que estava por detrás das paredes. Fazia-nos muitas perguntas nesse sentido e chegou a fazer buracos na parede para perceber o que se passava por trás. Pegando nessa motivação sugerimos começar a construir túneis com cartões, onde a pessoa pudesse andar por dentro, criar caminhos e explorar. E se ela quisesse fazer buracos nas paredes de cartão, podia sem problema algum, explicando que nessas era possível mas nas da sala, não.
A base é sempre esta: observar, observar e observar. Pensar fora da caixa, deixar a criatividade fluir e ver o que podemos fazer com as pessoas com autismo que as motivem e que as ajude ao mesmo tempo.
Vão existir alguns momentos que as pessoas não vão aceitar as brincadeiras, ou não vão querer participar, e não há problema: é normal e faz parte do processo. O fundamental é nunca parar e tentar sempre, pois nunca sabemos o dia que a pessoa com autismo nos vai surpreender e aceitar a nossa brincadeira! 😊