A maior parte das pessoas aguarda ansiosamente pela época natalícia, pois a ela associam o divertimento, o convívio, a troca de prendas, os habituais jogos em família e a comida saborosa da mãe/avó/tia.
No entanto, quando no seio familiar há uma pessoa com autismo, o Natal pode vir com stress e uma carga emocional adicional. Podemos antever as desilusões, o desapontamento que a nossa família possa sentir, pela falta de participação por parte da pessoa com autismo: uma noite passada a seguir a pessoa por todo o lado, não vá ela partir as decorações que a família tanto aprecia, ou comer o que não deve. Chegam também as mudanças na rotina, a correria às compras para escolher os presentes e saber o que comprar para agradar a pessoa com autismo, o bombardeamento de estímulos com todas as luzes/músicas/cheiros que esta época implica, entre outros… E sabemos como estes momentos podem ser bastante desafiantes para a pessoa com autismo e para nós enquanto cuidadores.
Quando chega o Natal queremos, como todos, que esta época seja especial, inclusive para a pessoa com autismo. Por isso, dedicamos este artigo para partilhar algumas dicas que te poderão ajudar a ti, à pessoa com autismo e à tua família a passarem um Natal para um dia recordar!
Permite que a pessoa com autismo se auto-regule
Havendo uma mudança na rotina é normal que as pessoas com autismo nesta época aumentem os seus comportamentos repetitivos que, como sabemos, são uma forma de se auto-regularem e tomarem conta de si. Nesse sentido a nossa primeira dica é… Permite que a pessoa faça os seus comportamentos repetitivos. Ela está a tomar conta de si e é uma forma de a ajudar a equilibrar o seu sistema nervoso.
Se tiveres oportunidade e disponibilidade, para além de deixares que tenha o comportamento repetitivo, tenta juntar-te ao mesmo. É uma excelente oportunidade para criares uma relação com a pessoa e saberes mais sobre ela. Quando nos juntamos muitas vezes conseguimos perceber o porquê da pessoa ter o seu comportamento estereotipado e é a melhor forma de lhe mostrarmos que a aceitamos a mil por cento e que estamos lá para ela. Para saber mais sobre estereotipias e como lidar com elas lê este artigo.
Tem em atenção a alimentação
Sabemos que é época de férias e que com isso, muitas vezes vêm os doces em exagero e alimentos em abundância. Existe uma ligação muito forte entre alimentação e o comportamento das pessoas com autismo e, apesar de ser uma época especial, cairmos no erro de ceder a algumas tentações poderá interferir no comportamento e tranquilidade da pessoa. Há uma série de alimentos que sabemos que não vão ser devidamente processados pelas nossas crianças. Nos primeiros minutos podes não perceber o problema de os permitir comerem de tudo, mas passado algum tempo, podes ver as crises a chegar, diarreias ou obstipações, comportamentos mais desafiantes, etc. Especialmente se a pessoa segue uma dieta sem glúten e sem caseína é fundamental que não existam essa exceções. Mais vale não ter esses alimentos disponíveis e termos uma pessoa bem, saudável e tranquila.
Dá previsibilidade e controlo
Às vezes estamos tão ocupados a preparar e planear as coisas que nos esquecemos de avisar as pessoas com autismo do que vai acontecer ou do que temos planeado. Ainda para mais nestas alturas, acontecem atividades ou passeios que não é costume acontecer – sendo uma novidade para a pessoa. Sabemos que as pessoas com autismo não adoram surpresas e que para elas o controlo e a previsibilidade são fundamentais. Quando estiveres a planear as vossas férias, inclui a pessoa no que está / irá acontecer. Até para as pessoas com autismo não verbais este passo é fundamental. Explica com antecedência o que vai acontecer, quando e onde vai acontecer e que irá ser divertidos para ela. Esta previsibilidade e controlo irá minimizar crises, comportamentos desafiantes ou resistência a participar / fazer certas coisas.
Prepara um cantinho calmo
É muito frequente passarmos o Natal em casa de familiares, num ambiente e contexto diferente ao qual a pessoa com autismo não está habituada a estar e nesse sentido é importante também nos preparamos de antemão. Pergunta à tua família se pode disponibilizar um quarto sossegado e separado, para a pessoa poder estar quando precisar. A época festiva pode ser um bombardeamento sensorial e ter esse espaço disponível ao qual a pessoa poderá ir volta e meia, poderá ajudá-la a não ficar tão sobrecarregada. Podemos designar, com antecedência, uma sala calma ou espaço onde possa ir descomprimir e acalmar. De vez em quando, pode realmente ajudar levarmos a pessoa para esta sala e passar algum tempo com ela lá.
Informa e forma a tua família sobre autismo
Muitos dos nossos familiares não entendem a pessoa com autismo, não porque não querem, mas porque efetivamente não entendem o autismo. Quando a pessoa tem comportamento repetitivos, entra em crise ou tem algum comportamento diferente da norma, este pode ser mal interpretado pelos membros da nossa família – o que acaba por nos deixar ainda mais stressados e sobrecarregados a nível emocional.
Muitas vezes, sentimo-nos frustrados porque não entendem ou porque são pouco compreensíveis e gostam de dar palpites sobre a educação dos outros. Quando isto acontecer lembra-te que eles ainda não entendem.. E esta é a tua oportunidade para os ajudar!
Antes da época festiva acontecer, informa os membros da tua família sobre o que é autismo, quais os desafios da pessoa, o que ela gosta / não gosta, se é ou não sensível a determinados estímulos, o que pode ajudar em momentos mais desafiantes, etc. Muitos até podem querer ajudar mas não sabem como fazer. Perde um bocado de tempo a conversar com eles, a tirar as suas dúvidas caso as tenham, a partilhar dicas e soluções de coisas que funcionam no teu dia-a-dia.
Celebra
Muitas vezes estamos mais focados no que a pessoa ainda não faz, ou faz de mal, e esquecemos de celebrar a pessoa pelo aquilo que ela já faz. Aproveita esta época para observares e estares presente. Celebra as pequenas coisas que já faz e partilha com ela como te sentes feliz e agradecida/o por tudo o que já consegue fazer. Todos nós gostamos do elogio e celebrar os comportamentos que queremos promover vs dar ênfase aos que não queremos, dá pistas às pessoas com autismo do que fazer e motiva-as a repetir.
Evita multidões
Neste caso: menos é mais. As compras de Natal podem ser um período aterrador até para nós. Nestes momentos evita levar a pessoa com autismo contigo pois a sobrecarga sensorial pode ser demasiada. Normalmente nesses ambientes temos as filas de espera, a agitação, os perfumes de várias pessoas que passam por nós, outros cheiros avassaladores, a luzes, músicas, etc. Evita ao máximo levar a pessoa para esses ambientes.
Evita equipamentos eletrónicos ou prendas demasiado estimulantes
Devemos perder algum tempo e avaliar se o presente que estamos a pensar dar não terá estímulos a mais que contribuirão para um excesso de estimulação das pessoas que são já tão sensíveis a nível sensorial. As pessoas com autismo já têm alguns aspetos hipnóticos e autoestimulastes sem a ajuda de equipamentos eletrónicos. Com brinquedos mais tradicionais, como livros, comboios, bonecas ou trabalhos manuais, podem usar a sua capacidade para estimular o seu próprio cérebro ao invés de usarem a máquina para fazer o trabalho por elas.
Não tenhas receio de ser sincero/a com os teus familiares e ajuda-os na escolha de uma boa prenda (de preferência que não pisque nem apite). Podes sugerir presentes que a ajudem como almofadas sensoriais, areia seca, trampolim ou bolas de pilates, bolas de água, etc. Muitas vezes, as pessoas com autismo ficam satisfeitas com coisas bem mais simples e que ao mesmo tempo potenciam a interação social.
Inclui a pessoa no processo de oferecer presentes
O desafio do autismo é o da interação social e esta época pode ajudar a trabalhar esse desafio. É o momento perfeito para sugerimos à pessoa com autismo para fazer, por exemplo, um desenho ou algo em plasticina para oferecer a avó/tio/prima, etc. Podemos, com antecedência, ajudá-la a preparar algo para no dia oferecer aos seus familiares, incluindo-a neste processo de troca de prendas.
Alternativas às experiências natalícias no exterior
Sabemos que para as pessoas com autismo ambientes como muitos estímulos podem ser muito difíceis de lidar. Por vezes, há coisas que gostaríamos de fazer com elas mas não conseguimos, como ir ver a iluminação da árvore de natal ou assistir ao concerto de natal na praça, etc. Queremos que a pessoa passe por essas experiências mas queremos que também aproveite e a verdade é que ao estar sobre-estimulada, não irá retirar nenhum benefício dessa situação. Mas podemos tentar reproduzir algumas experiências natalícias em casa – num espaço seguro e controlado!
Podemos fazer com ela a árvore de natal, reduzindo o uso de luzes demasiado cintilantes ou que piscam a toda a hora. Ou colocar músicas de Natal a um volume que elas possam suportar e fazermos a nossa dança natalícia. Também podemos convidá-las a fazer um desfile de Natal. Podem vestir-se a rigor para isso com o boné e bigode do pai natal, não esquecendo a sua barriga rechonchuda.
Se pudermos criar uma versão de fácil digestão da atividade dentro de casa, elas podem realmente desfrutar da experiência. Assim, na verdade estamos a dar à pessoa com autismo mais e não menos.
Valoriza o que importa
Muitas vezes queremos que tudo corra às mil maravilhas. Queremos ter os embrulhos prefeitos, a decoração mais bonita e que tudo corra super bem. Mas estes momentos são uma boa oportunidade para olhares para a pessoa com autismo e fazeres o que faz sentido para ela e para ti. São momentos para não sentires a pressão de ter de fazer o que toda a gente faz. É uma excelente oportunidade para celebrar a singularidade e unicidade da pessoa e fazerem um Natal único à vossa maneira! 🙂