A questão da autonomia é, sem dúvida, uma área muito importante de se trabalhar desde cedo, pois é um dos grandes objetivos a longo prazo. Além disso, ao trabalharmos a autonomia da pessoa com autismo, estamos a dar mais liberdade e disponibilidade ao cuidador para cuidar/tratar de outros aspetos igualmente importantes.
Tudo aquilo que a pessoa com autismo for capaz de fazer sozinha, deverás permitir que o faça, ao invés de tentares fazer por ela. No entanto, podes estar a seu lado para dar algum tipo de apoio, caso seja mesmo necessário. Aqui também podem entrar questões da comunicação verbal. Por isso, dizemos muitas vezes aos cuidadores para não adivinharem o que a pessoa com autismo quer, mesmo quando ela ainda só emite sons ou aproximações de palavras. Se fizermos isso, estamos a ensinar à pessoa que não há necessidade de verbalizar o que quer e/ou o que está a pensar/sentir. Porque mesmo sem dizer nada os cuidadores vão adivinhar e satisfazer as suas necessidades. Embora os cuidadores muitas vezes consigam perceber o que a pessoa com autismo quer, as outras pessoas que não lidam diariamente com ela não conseguem. Então, é importante trabalharmos também com a pessoa com autismo algum tipo de comunicação que facilite essa interação com os outros, pelo menos em situações limite ou de necessidade de ajuda.
Começar gradualmente
Para trabalharmos a autonomia, a ideia é gradualmente retirar o apoio do cuidador. É fundamental o trabalho em casa, no sentido de lhe ser proporcionado o máximo de autonomia e serem fornecidas pistas visuais e/ou verbais para a pessoa com autismo saber o que tem de fazer, em vez de fazerem as coisas por ela.
Por exemplo, para a rotina da manhã, podes criar um quadro com fotografias de cada tarefa que é preciso fazer – fotografias da pessoa com autismo a fazer cada uma das tarefas – e com o nome à frente. Esse quadro pode ser colocado na zona da casa que for mais prática e acessível, quer para ti, quer para a pessoa com autismo. Todos os dias de manhã, podem ir ver o quadro para perceber o que têm de fazer. Inicialmente, a pessoa com autismo vai precisar de apoio e de acompanhamento. Contudo, com tempo, a ideia é que ela vá consultar o quadro e consiga fazer as atividades sozinha.
Para tarefas que a pessoa com autismo tenha mais dificuldade em fazer sozinha, vê de que forma podes tornar a tarefa mais fácil para ela e criar uma lista de passos com o recurso a imagens, por exemplo. Numa primeira fase, vais acompanhando e fazendo em conjunto com a pessoa com autismo. Depois, gradualmente, vais diminuindo a tua participação dando-lhe cada vez mais autonomia.
Exemplo 1: Preparar o Pequeno-Almoço
Fazer uma lista de passos a seguir, com imagens, e colocar no frigorífico ou em outro sítio para ser fácil de ver:
- Pegar numa caneca
- Deitar o leite na caneca
- Juntar 1 colher de sobremesa de chocolate e mexer
- Pegar numa fatia de pão
- Colocar duas fatias de queijo no pão
- Colocar uma nova fatia de pão por cima
- Lavar 1 maçã
- Levar tudo para a mesa e desfrutar do pequeno almoço
No início, é importante que modeles aquilo que esperas que a pessoa com autismo venha a ser capaz de fazer sozinha, à medida que vais dizendo o que está a fazer. Assim, a pessoa com autismo tem a oportunidade de ver o cuidador a fazer e, mais facilmente, reproduzir. Numa fase seguinte, fazes ao mesmo tempo que incentivas a pessoa com autismo a fazer também. Depois, deixas que seja a pessoa a fazer enquanto observas. E, posteriormente, com o tempo, poderá fazê-lo sozinha e sem supervisão.
Exemplo 2: Usar os talheres à refeição
Usar o garfo e a faca sozinho é um aspeto bastante importante ao nível da autonomia, para que a pessoa com autismo possa fazer as suas refeições sem a necessidade da ajuda de outros (por exemplo, para lhe cortarem os alimentos).
Para começar este trabalho, procura ser um exemplo, uma vez que as pessoas com autismo têm muita facilidade em aprender imitando os adultos. Assim, quando estiveres à mesa, na hora das refeições, coloca um garfo e uma faca no lugar onde a pessoa com autismo geralmente se senta, apresenta a comida no prato sem estar cortada (inicialmente alimentos que sejam fáceis de cortar) e convida a pessoa com autismo a usar, em simultâneo, o garfo e a faca, mostrando-lhe e dizendo-lhe como fazer. Assim a pessoa poderá observar e reproduzir aquilo que estás a fazer.
É importante que, nestes momentos, estejas sentado/a perto da pessoa com autismo. De preferência em frente dela para que mais facilmente te possa ver a usar o garfo e a faca, e para ofereceres o apoio necessário.
No início poderá ser necessário ajudar um pouco, por exemplo, colocando a tua mão sobre a da pessoa, enquanto ela pega na faca, ao mesmo tempo que faz os movimentos necessários para cortar os alimentos e para ajudar a empurrar a comida para “encher” o garfo.
Atitude
Mostra-te interessado/a e entusiasmado/a com o que estás a propor à pessoa com autismo. Mostra-te também disponível e contente por ajudares, para que ela não se sinta frustrada quando está a ter mais dificuldades. Elogia e celebra todas as tentativas e avanços da pessoa com autismo a este nível, ainda que pequenos, mostrando o quanto feliz ficas quando a vês pegar e usar o garfo e a faca.
Estas dicas aplicam-se a várias situações e tarefas do dia a dia, as quais a pessoa com autismo pode ser encorajada a realizar sozinha. Principalmente, as tarefas relacionadas com a sua higiene pessoal, alimentação e com o vestir, por exemplo.
Nas atividades que já sabes que a pessoa com autismo é capaz de fazer sozinha, deves evitar ajudar fisicamente e optar por ir dando pistas verbais como “O que é que falta fazer agora?”, “O que vais querer comer para o pequeno-almoço?”, “Onde estão os cereais?”, “O que tens de colocar por cima da escova de dentes?”.
Prepara-te e antecipa
Trabalhar a autonomia da pessoa com autismo significa, nos primeiros tempos, demorar mais tempo para realizar as tarefas. Por isso, é importante antecipares e dares o tempo que a ela possa necessitar para concluir essa mesma tarefa.
